Prefeitos no holofote em Israel : Quando a Selfie vale mais que o Saneamento BásicoAtualmente, um movimento constante de viagens de prefeitos brasileiros para Israel tem chamado a atenção, gerando questionamentos sobre suas reais prioridades. Um fenômeno curioso e, para muitos, estranho, que merece o olhar atento da população: qual é, de fato, o objetivo e o benefício dessas missões?
Todo cidadão brasileiro sabe que seu bairro, sua cidade ou sua região carece do olhar político e humano de seus representantes. Enquanto alguns gestores atuam de forma questionável no meio ambiente, outros fecham os olhos para a falta de medicamentos em UPAs, hospitais sem material e médicos, escolas abandonadas e ruas escuras. No entanto, parece que ainda há tempo e recursos para uma viagem integralmente paga por um governo acusado de crimes contra a humanidade.
Em junho de 2025, uma comitiva de prefeitos e vice-prefeitos do Brasil embarcou para Israel, a convite do governo israelense, de inclinação de extrema-direita e ideologia sionista. O objetivo declarado era participar de uma feira de tecnologia e buscar inovações para suas cidades. Mas, a pergunta que ecoa é: será que esse “almoço” realmente sai de graça? Tudo pago e quais as contrapartidas? A viagem, contudo, se transformou em um episódio de grande repercussão política e legal, levantando sérios questionamentos sobre as prioridades, a ética e a diplomacia dos nossos líderes municipais.
Entre os “especialmente convidados” pelo governo israelense – acusado de inúmeros crimes contra a humanidade – estavam:
Álvaro Damião (Prefeito de Belo Horizonte – MG)
Nélio Aguiar (Prefeito de Santarém – PA)
Johnny Maycon (Prefeito de Nova Friburgo – RJ)
Welberth Porto de Rezende (Prefeito de Macaé – RJ)
Cícero de Lucena (Prefeito de João Pessoa – PB)
Janete Aparecida Silva Oliveira (Vice-Prefeita de Divinópolis – MG)
Maryanne Terezinha Mattos (Vice-Prefeita de Florianópolis – SC)
Vanderlei Pelizer Pereira (Vice-Prefeito de Uberlândia – MG)
Cláudia da Silva Lira (Vice-Prefeita de Goiânia – GO)
E o governador de Rondônia, Marcos Rocha.
A viagem desses políticos já era encarada com estranheza diante dos conflitos acirrados entre Israel e Irã. Fazer uma missão nestes tempos, colocando suas próprias vidas em perigo e, potencialmente, mobilizando a Força Aérea Brasileira em caso de necessidade, não pareceu uma ação madura e sensata. Muitos, inclusive, tiveram que se abrigar em bunkers. A informação de que os custos da viagem foram integralmente custeados pelo governo de Israel, com sua linha política, levanta um sério debate legal e ético no Brasil. A aceitação de benefícios como passagens e hospedagem de governos estrangeiros por agentes públicos pode configurar uma infração à Lei de Improbidade Administrativa e gerar um conflito de interesses. Mesmo com uma finalidade supostamente técnica, a aceitação de tal “presente” de um país em intenso conflito geopolítico e com potenciais interesses diplomáticos oculta um custo que poderá ser pago de outras formas.
Como essa seleção ocorreu? Essa é uma pergunta que exige respostas claras. Não foi uma viagem para todos os prefeitos do Brasil, mas sim de uma delegação específica. A escolha dos participantes se deu por meio de um convite formal da Embaixada de Israel no Brasil, direcionado a um grupo seleto de prefeitos e líderes estaduais com supostos interesses em tecnologia. A ironia é que a conta final dessa “experiência” pode recair sobre os cidadãos de seus municípios, que não desejam colaborar indiretamente com a guerra e a fome que assola crianças, mães de família e idosos em outras partes do mundo.
Os critérios para essa seleção específica, no entanto, não foram amplamente detalhados publicamente, gerando dúvidas sobre a transparência do processo da Embaixada de Israel no Brasil e se houve algum viés na escolha dos participantes.
A situação ganha camadas mais grossas quando se considera o histórico de alguns desses gestores e os problemas que persistem em suas próprias cidades. Focando estritamente em acusações que já possuem alguma forma de comprovação legal ou administrativa definitiva:
• Em Goiânia (GO), a vice-prefeita Cláudia da Silva Lira teve seu registro de candidatura e o do prefeito eleito, Sandro Mabel, cassados pela Justiça Eleitoral de Goiás em dezembro de 2024. A decisão se deu por abuso de poder político, uma acusação com desfecho legal comprovado.
Essa realidade, onde há decisões judiciais ou administrativas definitivas contra gestores, contrasta drasticamente com a busca por visibilidade internacional, enquanto as populações de suas cidades enfrentam desafios urgentes e muitas vezes negligenciados:
Em Belo Horizonte (MG), apesar dos avanços, a capital mineira ainda lida com desafios na saúde pública, como superlotação de UPAs e a demanda por exames e consultas especializadas. A mobilidade urbana e a segurança pública em algumas regiões também são queixas constantes dos cidadãos.
João Pessoa (PB) enfrenta dificuldades na infraestrutura básica, principalmente em bairros carentes, com problemas no saneamento básico, na saúde e na educação pública.
Macaé (RJ), mesmo sendo uma região com forte arrecadação pela indústria do petróleo (o que torna sua inclusão no convite de Israel ainda mais curiosa), ainda lida com a distribuição desigual da riqueza, gerando disparidades sociais e problemas em serviços públicos.
Nova Friburgo (RJ), marcada por tragédias no passado, ainda sofre com a falta de infraestrutura de contenção de encostas e habitação segura para seu povo.
Santarém (PA), localizada na Amazônia, padece sem saneamento básico (acesso a esgoto e água potável), tem saúde precária nas comunidades ribeirinhas e enfrenta a falta de interesse escolar em algumas regiões.
Divinópolis (MG) tem problemas na gestão de resíduos sólidos, com necessidade de investimento em pavimentação e drenagem, além de uma saúde de baixa qualidade.
Florianópolis (SC), mesmo com alto IDH, também sofre com a mobilidade urbana, problemas no transporte público e o acesso à moradia.
Uberlândia (MG), uma das maiores cidades mineiras, enfrenta questões sérias de segurança pública, e desafios estratégicos para o aumento da população que demanda mais saúde e educação.
Goiânia (GO) tem problemas recorrentes na saúde pública, como falta de leitos e de médicos. A mobilidade urbana da capital goiana está um caos, com falta de planejamento e muitos congestionamentos.
O estado de Rondônia, liderado pelo governador Marcos Rocha, padece com uma saúde de baixa qualidade, sem estrutura hospitalar e acesso em áreas remotas. A segurança pública enfrenta o combate ao crime organizado e fronteiriço.
Essa realidade local, com problemas que afetam diariamente os cidadãos, levanta a questão, ecoada nas redes sociais: é justificável que líderes com tais responsabilidades e, em alguns casos, com acusações comprovadas, priorizem uma viagem internacional, custeada por um país envolvido em crimes contra a humanidade? Não deveriam estar atentos às necessidades de sua população, que não tem nenhuma viagem custeada ou ônibus pago quando vai trabalhar, e que não compactua com a guerra e a morte de civis? Estariam, de fato, focados na lisura e nas demandas de suas administrações, ou a busca por uma experiência financiada e, talvez, uma projeção política, sobrepõe-se à urgência dos desafios internos?
A presença e o apoio tácito, ou até explícito em alguns casos, ao governo israelense por parte desses prefeitos brasileiros, no contexto de um conflito perigoso e complexo que envolve sérias acusações de violação de direitos humanos contra palestinos e libaneses, coloca o Brasil em uma posição delicada no cenário internacional.
Historicamente, o Brasil, a ONU e a maioria dos países europeus têm defendido uma solução de dois Estados para o conflito israelo-palestino, e alguns já reconheceram o Estado da Palestina, condenando a violência contra civis de ambos os lados e as ocupações territoriais feitas por colonos israelenses. Quando esses representantes eleitos de cidades brasileiras se alinham tão claramente a um dos lados do conflito, especialmente um lado acusado de cometer o “terror camuflado” contra inocentes, eles não só divergem da linha diplomática oficial do Brasil, mas também podem minar a credibilidade do país como um ator promotor dos direitos humanos e da paz entre os envolvidos.
Essa viagem, e outras que líderes do Estado de São Paulo já fizeram sem aplicação concreta de benefícios para a população, vai além de um simples intercâmbio tecnológico. Ela expõe fragilidades éticas, prioridades questionáveis desses líderes municipais e um alinhamento político que, para uma grande parcela da população mundial, está em contramão com os princípios de justiça e equidade defendidos pela comunidade internacional.
Devemos estar atentos a essas viagens custeadas, enquanto o povo brasileiro paga o verdadeiro preço.
Anthony Rasib