domingo, dezembro 09, 2007

POESIARTE EM FOCO DE NELSON SAÚTE


A poesiarte apresenta: Nelson Saúte. Escritor, poeta e professor de Ciências da Comunicação. Nasceu em 26 de fevereiro de 1967 na cidade de Maputo, capital de Moçambique.

*Um pouco da vida de Nelson Saúte:

- No início de su
a vida profissional em Moçambique, trabalhou na revista "Tempo",
no jornal "Notícia
s", na Rádio Moçambique e na Televisão de Moçambique. Em Portugal, onde se licenciou em Ciências da Comunicação (na Universidade Nova de Lisboa), foi redator do "Jornal de Letras" e "Público".

- Em 1989, foi co-autor (com Fátima Mendonça) da "Antologia da Nova Poesia Moçambicana:1975-1988", publica pela Associação de Escritores de Moçambique.

- Em nome individu
al, publicou em 1996: "O Apóstolo da Desgraça" (estórias; Publicações Dom Quixote, Lisboa).

- Em 2000, publicou: "Os Narradores da Sobrevivência" (romance; Publicações Dom Quixote, Lisboa).

- Em 2001, publicou: A antologia de contos moçambicanos "As Mãos dos Pretos" (Publicações Dom Quixote, Lisboa)


*Capa do livro "As Mãos dos Pretos" de Nelson Saúte.


- Vejamos uma poesia de sua autoria:


"MUNHUANA BLUES"

Lá nos arrabaldes da minha infância
a casa da Munhuana me não resiste apenas
também guardo ciosamente na memória
as histórias da minha avó Angelina
e mantenho o medo
da ameaçadora visita do Guiguisseca
anunciada na varanda da loja do Muchina
enquanto os miúdos do meu bairro
todos eles craques
desmentiam o talento do Eusébio.
Ali no Bairro Indígena eu ainda sou
aquele rapaz de calção e sapatilhas
- compradas numa daquelas lojas
dos monhés do Xipamanine –
correndo a toda a largura a rua do Zambeze
no dia em que prometeram
uma visita ao Jardim Zoológico.
O baldio que ficava à frente da minha casa
foi vítima de urbanização clandestina
e no lugar onde as meninas se despontavam
para os meus sonhos febris de vate desassumido
e vendiam badjias e matoritoris
reincide-se na ofensa à memória.
Naquele tempo minha avó reverberava o mito
esvoaçando as saias das moças nos bailes
e as calças bocas de sino dos rapazes do Chamanculo.
Foi ali que começou esta minha mania de amar o Brasil
nas vozes do Carnaval da avenida de Angola.
O samba da Mafalala também tinha batuques
e a folia Índica desta minha Bahia
marrabentando os acordes da tua viola.
Também cantei e bailei como esta noite
neste meu desavisado regresso ao Xipamanine
não só por culpa dos avatares do velho gramofone
e os discos de 45 rotações mas por imposição
da vocação da minha avó Angelina
que jamais enfrentou um palco.
Fica para contar aos meus filhos os talentos
dos que nos precederam. Minha avó agora não canta.
Na sua casa ex-madeira e zinco de precária alvenaria
ela deita-se no chão
de cimento queimado e conversa com os ancestrais
quase todos eles à sua espera em Ressano Garcia.
Tudo isto agora e sempre nesta noite de sábado
eu filho legítimo das bangas na geração dos anos 80
a dançar até amanhecer quando no dia seguinte
tinha folga na minha indesmentida profissão
de formador de bicha nas lojas do Povo
ou no talho da Eduardo Mondlane que abria as portas
já com a carne do Botswana esgotada.
Mesmo assim as nossas festas
com cervejas à pressão e coca-colas
compradas a muito custo
pelos nossos meticalizados bolsos
incompetentes para adquirirem as montras vazias
das cooperativas de consumo parecem ficção
aos olhos desta juventude.
Não muito longe do largo João Albasine
nestes anos todos de ausência da Munhuana
exilado lá para os lados da zona alta da cidade
quem regressa é aquele menino que eu fui
muito antes de conhecer o Alto-Maé dos chinas
quando a Polana era só e apenas
um vago e improvável aceno do futuro
e a Sommerchield adjectivava a quimera.
Agora meu velho João Domingos retorno
à minha infância entregue ao prodígio desta noite
de extenuado sábado nesta pista de dança
e no espanto deste incauto duelo com os velhos mitos.

(Nelson Saúte - poeta moçambicano)


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