domingo, novembro 27, 2005

ARTIGO DE JOSÉ FACURY


A poesiarte apresenta: José Facury. Ator, professor, escritor e animador cultural.

Vejamos um de seus textos:


"O DRAMA CABOFRIENSE"

Assim como vários teóricos do teatro denominaram as diversas correntes teatrais do século vinte, desde a sua virada, onde tudo principia com os anteriores Richard Wagner e seu drama musical, Heinrich Ibsen com seu drama naturalista passando pela revolução dramatúrgica do expressionista August Strindberg. E já no século em questão: Bernard Shaw, Jean Cocteau, Garcia Lorca, Eugene O`Neill, Jean Paul Sartre e Bertold Brecht associados que foram a atores, cenógrafos e diretores como Stanislavski, Meyerhold, Gordon Craig, Appia, Max Heinardt, Artaud e Grotowiski. Neste século dos grandes feitos e das grandes guerras, foram eles que, através das suas criações, fundamentaram as diversas linguagens da encenação contemporânea.Por isso, ouso em seguir a trilha dos teóricos cênicos ao falar do movimento teatral de Cabo Frio. Nestes vinte anos em que por aqui me aboleto, insiro-me também como um dos tijolos que realçaram a possibilidade de Cabo Frio ter o melhor movimento teatral do Estado do Rio de Janeiro, excluindo a capital. No meu comentário, vou descartar as denominações grupais para que fique mais patente o artista do que os efêmeros aglutinamentos que acabam sendo menores do que seus artífices.
Quando cheguei por aqui em 1983, Cabo Frio não tinha a sua dramaturgia própria, os antigos grupos exercitavam suas montagens com textos de dramaturgos cariocas, não se arvoravam à escrita cênica. O historiador Hilton Massa fazia as suas incursões na dramaturgia, escrevendo alguns acontecimentos locais para o antigo TAC que não chegaram a ser montados.
Em 1984, ao captar informações dadas por mim, Silvana Lima enveredou-se na feitura dramatúrgica com a comédia de costumes de caráter regional “Aluga-se Para Verão”. Foi um sucesso na cidade. A partir daí, montando e escrevendo, principalmente para crianças a autora mescla cultura popular com o jogo cênico construtivista, conseguindo aquilo que eu considero o teatro que sempre aposta na inteligência da criança. Hoje, ela é dona de um estilo que cada vez mais se confirma como o que há de melhor para sensibilizar o universo lúdico da criança. Os prêmios literários de nível nacional que já recebeu conferem o que digo.
Clarêncio Rodrigues, tanto nos seus roteiros musicados, na confecção e no manuseio dos seus bonecos em vários dos seus espetáculos como, por exemplo: “Minha Favela Querida” faz despontar a musicalidade e a versatilidade no domínio da linguagem títere. Clarêncio é considerado dentre os artistas do teatro de animação do Brasil como um dos grandes mestres marionetistas (bonecos de fios) da atualidade.
Nas adaptações de Frederico Araújo e José Antonio Mendes com os “Ode a Cabo Frio” e “Divinas Palavras” souberam como tratar o lirismo ressaltando e extraindo o que há de melhor da métrica poética para o aproveitamento cênico. Um tratamento difícil de ser feito, mas que se torna grandioso quando a eloqüência do colóquio interpretativo realça o poema, sem o tom monocórdio da declamação.
Em um parágrafo à parte, tive que observar o vento revolucionário da tragédia em todos os sentidos que passou por essas bandas: a do finado José Eduardo dos Santos. Dos tantos sopros dados por ele aos nossos poros sensitivos, o mais instigante foi o genialmente taciturno e engajado “Rosa & Becket”, uma obra representativa da vanguarda cênica, bem acima do controverso Gerald Thomas. Já estávamos nos preparando para sugar a versão que o mesmo faria com “Woiseck” de Buchner quando uma misteriosa mão assassina ceifou-nos de nós. Uma perda até agora também tragicamente sentida.
Discípulos de toda essa geração, mas apontando para caminhos próprios temos o jovem Eduardo Magalhães que, tanto na escrita como na encenação envereda-se pelo drama romântico filosófico nos mostrando a cada montagem sempre trabalhos de notável envergadura dramática. Um Ibsen sintético. Os prêmios que tem recebido, tanto trabalhando com crianças (Flor do Igarapé) como com profissionais (Farol da Madrugada) confirmam esse valor.
Ainda Marcelo Tosta, visceral, corpóreo com o seu boêmio “Nudez”, nos revela uma escrita cênica que permeia o naturalismo denso, psicológico e inquietante na melhor safra apregoada pelo teatro sensitivo de Frank Weddekind . Completando o quadro da diferenciação de linguagens que enriquecem o cenário dramático da cidade ainda poderemos apontar a comédia de absurdos de César Valentim em “Traços Típicos”, a adaptação narrativa dramática de Guilherme Guaral em “Eu Lírico”, os melodramas épicos de Ítalo Luiz e o terror “trash” de Anderson Mackleyves. Quanto a mim, muito mais afeto a mexer com todas as linguagens possíveis deixo que algum outro abusado analise a minha estética.
Mas o que eu quis dizer com este comentário? Quis dizer que com toda essa gama de fazedores com as suas linguagens referentes, Cabo Frio ainda não reconhece os seus artistas cênicos. Não os reconhece porque nem sabe que eles existem. Precisa sabê-los vivos e atuando. Por isso urge uma política de divulgação mais contundente das “coisas nossas” que acontecem no Teatro Municipal que, em conjunto com o requisitado e necessário Centro de Estudos Teatrais fará essa prática ter seu expoente aqui por essas bandas, projetando-a não só na cidade, mas em todo Brasil.
 
(José Facury -escritor)

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